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Março de 2024
Política

Direitos humanos

LGBT no Afeganistão: 'Posso ser morto na hora'

De acordo com a interpretação que o Talebã faz da lei islâmica, a homossexualidade é estritamente proibida e punível com a morte

Foto: Divulgação
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De acordo com a interpretação que o Talebã faz da lei islâmica, a homossexualidade é estritamente proibida e punível com a morte

24 agosto, 2021

Cabul (Afeganistão) - Antes da ofensiva do Talebã no Afeganistão, a vida de Abdul (seu nome real foi alterado), um homem gay, já era arriscada. Se ele falasse sua orientação sexual com a pessoa errada, poderia ser preso e julgado sob as leis afegãs. "Como um gay no Afeganistão, você não pode se assumir, nem mesmo para sua família ou amigos. Se eu contar isso para a minha família, talvez eles me batam, talvez eles me matem." Mas desde que o Talebã conquistou o controle das principais cidades do país na semana passada, Abdul disse à BBC Radio 1 que se sua orientação sexual fosse revelada hoje, ele seria "morto na hora". De acordo com a interpretação que o grupo faz da lei islâmica, a Sharia, a homossexualidade é estritamente proibida e punível com a morte. Na última vez em que o Talebã esteve no poder no Afeganistão, entre o final dos anos 1990 e 2001, Abdul, de 21 anos, ainda não havia nascido. "Já ouvi meus pais e pessoas mais velhas falarem sobre o Talebã", conta o jovem, que mora na capital, Cabul. "Assistimos a alguns filmes. Mas agora, é como estar dentro de um filme."

'Não há futuro'
Nesta semana, Abdul previa fazer provas finais da universidade, almoçar com amigos e visitar o namorado, que conheceu na natação há três anos. Mas, depois da ofensiva do Talebã, ele já está há quatro dias consecutivos dentro de casa. Há soldados talibãs da sua porta para fora. "Quando vejo o Talebã pelas janelas, fico muito assustado. Meu corpo começa a tremer ao vê-los", diz o jovem. "Civis estão sendo mortos. Acho que nunca vou abrir a boca na frente deles." Embora já tivesse que se reprimir, Abdul diz que conseguia aproveitar a vida na capital antes da chegada do Talebã. "Meus estudos estavam caminhando perfeitamente. Havia vida na cidade, havia muita gente." Em uma semana, Abdul sente ter visto sua vida desaparecer na própria frente. "Não há futuro para nós", diz ele. "Acho que nunca vou conseguir continuar meus estudos. Meus amigos, perdi o contato com eles. Não sei se eles estão bem." "Meu companheiro está isolado em uma cidade diferente com a família dele. Eu não posso ir lá, ele não pode vir aqui."

'Nunca aceitarão gays e pessoas LGBT'
O pai de Abdul, que trabalhava para o governo afegão — deposto pelo Talebã — se escondeu por medo. A maioria das mulheres que o jovem conhece não sai de casa temendo por suas vidas. Algumas saem apenas quando acompanhadas por um homem, o que mesmo assim é arriscado. Na semana passada, a mente de Abdul foi para um lugar muito escuro.

"Estou sob forte depressão."

"Eu tenho pensamentos de apenas terminar com tudo isso. Eu não quero viver esse tipo de vida." "Eu quero um futuro em que eu possa viver livremente." Ele não acredita nas promessas do Talebã de que, nesta nova etapa de domínio, liberdades serão mais respeitadas — como das mulheres estudarem e trabalharem. "Mesmo que o Taleban aceite uma mulher no governo, na escola, eles nunca aceitarão gays e pessoas LGBT. Eles vão matar todos na hora". O jovem também comentou os vídeos de afegãos se amontoando em aviões para sair do país.

"Eles não são loucos"

"Essas pessoas tinham negócios aqui, empregos. Tinham uma vida boa. Elas não estão loucas por estarem se agarrando a aviões, estão apenas sob risco de vida. Sabem que não estavam seguras (se ficassem no Afeganistão)."

'Orem por nós'
Abdul diz que está "esperando encontrar uma maneira de sair do país". Ele conta ter ouvido falar que o Reino Unido está planejando receber 20 mil imigrantes de seu país, mas afirma que ninguém sabe como se inscrever ou se registrar para conseguir isso. A organização Stonewall pediu ao governo do Reino Unido que comece a "ajudar refugiados LGBTQ+ afegãos a sobreviver, se realocar e a prosperar". "Só quero dizer que, se alguém está ouvindo minha mensagem, como jovem, tenho o direito de viver livre e seguro", diz Abdul. "Tenho 21 anos. Em toda a minha vida já testemunhei conflitos, explosões de bombas, perdi amigos e parentes." "Apenas orem por nós. Orem por nossas vidas."